A mais recente edição do estudo “Demografia Médica no Brasil 2025”, elaborado pela Faculdade de Medicina da USP em parceria com a OPAS e o Ministério da Saúde, traça um retrato detalhado da profissão médica no país — e escancara desafios persistentes. Se por um lado o número de médicos bateu recorde, com projeções de ultrapassar 1,15 milhão de profissionais até 2035, por outro, a distribuição regional e a qualidade da educação médica se tornam pontos de atenção urgente.
Concentração e escassez: uma questão geográfica
O Brasil registra atualmente 653.945 médicos, o que corresponde a uma média de 3,08 profissionais por mil habitantes. Porém, esse índice esconde abismos regionais. Enquanto o Distrito Federal lidera com 6,28 médicos por mil habitantes, o Maranhão amarga o menor índice do país, com apenas 1,27 .
Veja a razão por região:
- Sudeste: 3,77
- Sul: 3,31
- Centro-Oeste: 3,44
- Nordeste: 2,21
- Norte: 1,70
Mesmo dentro das regiões, há discrepâncias significativas entre capitais e interiores. No Norte, Roraima chega a registrar apenas 0,13 médicos por mil habitantes fora da capital .
Evolução dos cursos de Medicina: expansão sem freio
Nos últimos 20 anos, o número de escolas médicas saltou de 143 para 448 — um aumento de 213% — puxado, sobretudo, pela Lei Mais Médicos (2013). A maioria das vagas está concentrada no setor privado: 79,3% das 48.491 vagas de graduação em 2025 pertencem a instituições privadas .
Gráfico (Figura 1 – FMUSP 2025)
Evolução do número de cursos de graduação em medicina de 2004 a 2024
Gráfico (Figura 2 – FMUSP 2025)
Crescimento das vagas de graduação em medicina
Entretanto, a qualidade dessa expansão tem sido questionada. Muitas novas escolas surgem em municípios com baixa estrutura e sem tradição universitária. A judicialização da abertura de cursos é outro dado preocupante: 177 pedidos judiciais tramitavam no MEC em 2024 .
Perfil dos estudantes: jovens, mulheres e vindos do ensino privado
Em 2023, o Brasil registrava 266.507 estudantes de medicina, sendo 62% mulheres. O perfil predominante ainda é de jovens brancos oriundos do ensino médio privado (66%) .
Gráfico (Tabela 4 – FMUSP 2025)
Participação dos estudantes por origem do ensino médio (público/privado) de 2010 a 2023
Apesar das políticas de inclusão social, a democratização do acesso à medicina ainda é um processo lento, principalmente nas escolas privadas — responsáveis pela maior parte das novas vagas, mas que aplicam ações afirmativas em menor escala do que as instituições públicas .
Crescimento sem planejamento pode comprometer o futuro da medicina
A análise da FMUSP alerta para a possível superoferta de médicos nos próximos anos, sem uma correspondência com melhorias no sistema de saúde. As mudanças regulatórias fragmentadas e a ausência de mecanismos sólidos de avaliação de qualidade acendem o alerta.
“O crescimento numérico não garante formação adequada nem equidade na distribuição dos profissionais”, conclui o relatório.
Considerações finais
A edição 2025 da Demografia Médica deixa claro: o Brasil forma cada vez mais médicos, mas ainda não consegue fixá-los onde são mais necessários. A interiorização das escolas médicas, embora estratégica, precisa ser acompanhada de políticas públicas de permanência, suporte à formação e avaliação contínua de qualidade. Sem isso, o risco de termos mais médicos mal distribuídos e mal preparados é uma realidade iminente.
Jornalista – Hiran Castiel