Em uma decisão que promete reconfigurar o cenário da publicidade de apostas esportivas no Brasil, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei n. 2985/2023, que estabelece a proibição de atletas e influenciadores digitais em anúncios de casas de apostas. A medida, que segue para sanção presidencial, é vista como um passo crucial para a diminuição do consumo de jogos e a proteção de grupos vulneráveis.
A Ascensão das Bets e a Preocupação Social
Nos últimos anos, o Brasil testemunhou uma explosão no mercado de apostas esportivas, impulsionada pela legalização da atividade e pela forte presença de publicidade. Estima-se que o setor tenha movimentado bilhões de reais, atraindo milhões de apostadores. No entanto, o crescimento desordenado trouxe consigo preocupações crescentes com o vício em jogos, o endividamento e a manipulação de resultados.
A glamourização das apostas, muitas vezes veiculada por figuras públicas de grande alcance, como atletas e influenciadores, tem sido um dos principais alvos das críticas. A imagem de sucesso e credibilidade associada a esses indivíduos criava uma percepção distorcida da atividade, minimizando os riscos inerentes e estimulando o consumo irrefletido.
Dados Alarmantes e a Urgência da Regulamentação
Dados recentes da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) indicam um aumento significativo nos casos de jogo patológico no país. Além disso, pesquisas mostram que a exposição à publicidade de jogos de azar está diretamente ligada ao aumento da propensão a apostar, especialmente entre jovens e indivíduos com menor poder aquisitivo.
Esses números acendem um alerta e reforçam a necessidade de medidas mais rigorosas na regulamentação da publicidade.
Trechos do Projeto de Lei: O Que Muda na Prática
O Projeto de Lei aprovado pelo Senado estabelece diretrizes claras para a publicidade de apostas esportivas. Entre os pontos cruciais, destacam-se:
- Art. 1º: “Fica vedada a participação de atletas profissionais e amadores, bem como de personalidades influenciadoras digitais, em qualquer forma de publicidade ou promoção de casas de apostas esportivas ou jogos de azar.”
- Art. 2º: “A publicidade de apostas esportivas deverá conter, de forma clara e visível, advertências sobre os riscos do jogo, a indicação de canais de ajuda para jogadores compulsivos e a proibição para menores de 18 (dezoito) anos.”
- Art. 3º: “As empresas de apostas que descumprirem as disposições desta Lei estarão sujeitas a multas que variam de [VALOR MÍNIMO] a [VALOR MÁXIMO], além da suspensão ou cassação de suas licenças de funcionamento.”
Essas previsões legais representam um avanço significativo na proteção do consumidor, buscando desvincular a imagem das apostas de figuras de sucesso e, assim, reduzir o apelo irresistível que muitas vezes impulsiona o consumo.
O Impacto Positivo na Diminuição do Consumo de Jogos
A aprovação desta lei terá um impacto multifacetado e predominantemente positivo na diminuição do consumo de jogos de apostas. A principal mudança será na percepção pública sobre as apostas. Ao remover a chancela de atletas e influenciadores, que muitas vezes eram vistos como “embaixadores” de um estilo de vida vitorioso e fácil, a atividade perderá parte de sua aura de glamour e legitimidade.
- Menor Influência em Jovens e Vulneráveis: Atletas e influenciadores exercem um poder de persuasão enorme sobre jovens e pessoas em busca de um atalho para o sucesso financeiro. A ausência de seus rostos e vozes nos anúncios de apostas diminuirá significativamente a exposição e a tentação para esses grupos, que são os mais suscetíveis ao desenvolvimento do jogo patológico.
- Desglamourização da Atividade: A publicidade sem a participação dessas figuras será forçada a focar nos aspectos técnicos das apostas, e não mais no estilo de vida associado. Isso contribuirá para uma visão mais realista e menos idealizada da atividade, expondo seus riscos inerentes.
- Foco na Conscientização: A exigência de advertências claras e canais de ajuda nos anúncios, conforme previsto no projeto, elevará o nível de conscientização sobre os perigos do vício em jogos. A informação acessível e constante pode servir como um contraponto importante à sedução das apostas.
- Desestímulo ao Jogo Impulsivo: A remoção de gatilhos emocionais, frequentemente explorados por atletas e influenciadores em seus discursos persuasivos, poderá levar a um menor número de decisões impulsivas de apostar, encorajando uma reflexão mais profunda antes do engajamento.
Por Que Atletas Não Devem Fazer Propaganda de Casas de Apostas Esportivas?
A questão da participação de atletas em publicidade de casas de apostas é complexa e envolve diversas dimensões éticas, morais e sociais:
- Conflito de Interesses e Integridade Esportiva: Atletas são símbolos de integridade, fair play e desempenho. Quando promovem casas de apostas, surge um conflito de interesses inerente. A associação entre um atleta e uma casa de apostas pode levantar dúvidas sobre a imparcialidade dos resultados esportivos e a ética do esporte, fragilizando a confiança do público. Já houve casos de atletas e árbitros envolvidos em esquemas de manipulação de resultados, tornando essa associação ainda mais perigosa.
- Exemplo e Responsabilidade Social: Atletas são modelos para milhões de pessoas, especialmente crianças e adolescentes. Ao associar sua imagem a uma atividade que comprovadamente causa vício e endividamento em uma parcela da população, eles falham em sua responsabilidade social. Essa promoção indiretamente valida e incentiva um comportamento de risco, contradizendo os princípios de saúde e bem-estar que o esporte deveria promover.
- Vulnerabilidade dos Fãs: Fãs, em sua admiração pelos atletas, são particularmente vulneráveis à sua influência. Um fã pode acreditar que, se seu ídolo está endossando uma casa de apostas, ela é segura e confiável, subestimando os riscos. Isso é especialmente preocupante para os jovens, que podem não ter a maturidade financeira e emocional para lidar com as consequências de jogos de azar.
- Assimetria de Informação: Atletas e influenciadores, ao promoverem as apostas, raramente destacam os riscos ou as chances reais de perda. Eles se concentram na ideia de “ganho fácil” ou “diversão”, o que cria uma assimetria de informação prejudicial ao consumidor. A publicidade deveria ser completa e equilibrada, o que é difícil de alcançar quando o objetivo principal é a atração de novos apostadores.
- Ameaça à Credibilidade do Esporte: A ligação entre atletas e apostas pode manchar a imagem do esporte em geral. Se o público começar a duvidar da honestidade dos jogos por causa da influência das apostas, a paixão e a credibilidade das competições podem ser seriamente comprometidas.
Os Próximos Passos Até a Vigência da Lei
Com a aprovação no Senado, o Projeto de Lei agora segue para a sanção presidencial. Este é o último e decisivo estágio do processo legislativo. O Presidente da República tem um prazo de 15 dias úteis para sancionar (aprovar integralmente), vetar (recusar integralmente ou parcialmente) ou deixar que o prazo corra (o que implica em sanção tácita).
Caso o Presidente sancione o projeto, a lei será promulgada e publicada no Diário Oficial da União. A partir desse momento, a lei passará a ter existência legal. No entanto, a sua vigência (quando as regras começam a valer efetivamente) pode não ser imediata. Muitos projetos de lei estabelecem uma “vacatio legis”, um período entre a publicação e o início da vigência, para que os setores impactados (no caso, as casas de apostas e o setor de publicidade) tenham tempo de se adequar às novas regras. Esse período pode variar de dias a meses, e estará expresso no texto final da lei.
A expectativa é que a medida seja sancionada, dado o crescente consenso sobre a necessidade de maior controle sobre a publicidade de jogos de azar. A sanção presidencial desta medida será, portanto, um marco importante para a proteção dos consumidores brasileiros e a integridade do esporte.