O Brasil atravessa um momento que entrará para os livros de história. O Supremo Tribunal Federal condenou não apenas centenas de cidadãos comuns, mas também generais de alta patente e até um ex-presidente da República. Jair Bolsonaro foi sentenciado a mais de 27 anos de prisão. É um fato inédito: nunca antes, no Brasil democrático, se havia visto oficiais de comando e chefes de Estado responsabilizados de forma tão severa por crimes contra a democracia.
Esse quadro lança luz sobre três debates centrais: a proporcionalidade das penas aplicadas, o papel das Forças Armadas em meio às condenações e possibilidade de uma anistia que vem sendo defendida por parte da classe política.
Por que as penas foram tão altas
A explicação está no marco legal criado pela Lei 14.197/2021, que tipificou os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Ali estão previstos os delitos de golpe de Estado e abolição violenta da democracia, com penas de até 12 anos, que se somam a crimes já existentes no Código Penal, como organização criminosa, dano qualificado e destruição de patrimônio público tombado.
Ao aplicar a teoria da coautoria coletiva, o STF entendeu que não havia como separar o indivíduo do movimento. Quem participou das invasões não poderia ser visto como autor de um ato isolado quebrar uma vidraça, ocupar um plenário, riscar uma estátua, mas sim como parte de um esforço articulado para desestabilizar a ordem democrática. É por isso que até condutas aparentemente menores resultaram em penas de dois dígitos.
As sentenças também impuseram indenizações milionárias para reparar o dano material e simbólico causado às instituições. A ideia foi enviar uma mensagem clara: atacar a democracia custa caro.
O choque das condenações de generais
Se a condenação de civis já era esperada, a de generais e até de um ex-comandante de Força foi um divisor de águas. Rompeu-se a imagem de que altas patentes seriam intocáveis.
Dentro dos quartéis, o efeito foi imediato: perplexidade, tensão e debates internos. Parte dos militares enxerga as condenações como exagero; outra reconhece que o envolvimento político das Forças foi um erro que trouxe mais desgaste do que ganhos. O certo é que a coesão interna foi abalada.
Externamente, a credibilidade das Forças Armadas saiu arranhada. Para muitos cidadãos, a pergunta agora é se a instituição é de fato confiável como guardiã da Constituição. Ao mesmo tempo, há uma oportunidade: se as Forças assumirem a lição e reforçarem a neutralidade política, podem sair mais maduras e fortalecidas.
O que se diz dentro da caserna
Ainda que as Forças mantenham silêncio oficial, relatos indicam divisão. Há oficiais que se dizem injustiçados, sustentando que a Justiça foi dura demais ou que as provas foram frágeis em alguns casos. Outros defendem que o episódio serviu de alerta e que a farda deve se distanciar definitivamente da política partidária.
O que se percebe é que a disciplina e a hierarquia, marcas centrais da vida militar, foram colocadas à prova. Esse é um debate que continuará ecoando pelos corredores dos quartéis por muito tempo.
As lições que ficam
O 8 de janeiro nos deixou ensinamentos que não podem ser ignorados:
O debate da anistia
O tema da anistia voltou ao centro da política. A Constituição autoriza o Congresso a perdoar crimes, mas impede anistia para terrorismo e crimes hediondos. Como os réus não foram enquadrados nessas categorias, o perdão é juridicamente possível.
Mas há dois obstáculos: a opinião pública, que exige justiça, e o próprio Supremo, que já sinalizou resistência a uma anistia ampla e irrestrita. Para alguns políticos, o perdão seria um gesto de pacificação. Para outros, seria impunidade e incentivo a novas rupturas.
Justiça ou excesso?
A crítica de que houve excesso não pode ser ignorada. Nem todos depredaram ou financiaram o movimento. Porém, não se tratava de uma manifestação comum: foi uma tentativa coordenada de atacar os Três Poderes da República.
O STF diferenciou casos: quem teve participação secundária recebeu acordos e penas alternativas; os líderes, organizadores e executores violentos foram punidos com maior rigor. O recado institucional foi inequívoco: a democracia brasileira não é negociável.
O que esperar daqui para frente
O Judiciário deve consolidar a jurisprudência sobre crimes contra o Estado Democrático, estabelecendo critérios mais objetivos de dosimetria e de diferenciação entre líderes e participantes periféricos.
O Congresso seguirá pressionado por parte da sociedade e da oposição a debater a anistia. Caso seja aprovada, é provável que a lei enfrente questionamentos no Supremo.
As Forças Armadas, por sua vez, terão de escolher entre o ressentimento e o amadurecimento. O futuro da instituição depende da capacidade de aprender com os erros, afastar-se de aventuras políticas e reafirmar seu papel constitucional.
Conclusão
O 8 de janeiro não foi apenas um ataque às sedes dos Três Poderes. Foi um divisor de águas. Mostrou que até generais e ex-presidentes podem ser condenados, expôs fragilidades institucionais e colocou à prova a maturidade das Forças Armadas.
O Brasil sai desse episódio com feridas, mas também com lições. Se elas forem assimiladas, nossa democracia sairá mais forte. Se forem ignoradas, o risco de novos abalos continuará rondando o país.
Entre pedidos de anistia e clamores por justiça, uma certeza já se impõe: o Brasil não será mais o mesmo depois de 8 de janeiro.